8.9.09

(Conto): PULMÃO (*)

Nunca fui de fazer exercícios. Até que batia uma bola uma vez por mês junto com amigos, mas a cerveja depois dos jogos era o que me fascinava. Minha alimentação também não é de toda ruim. Como razoavelmente pouco, menos nos Domingos. Ah, os Domingos. Minha mãe cozinha maravilhosamente bem, sempre com seus temperos surpreendentes que tornam um simples franco frito em algo encantador e a gordura passa despercebida pela língua e cai no estômago suave e querendo mais.

Neste Domingo despretensioso, logo hoje quando vou ver o meu Santos ganhar, sinto uma dor nas costas. Algo que nunca tive antes. Tenho um leve receio. A dor aumenta.

- Você está bem? – pergunta Claudia, minha namorada.

- A dor vem e vai.

Deixo a família preocupada e o meu querido Santos só empata, dia ruim, mas preciso apenas descansar um pouco que melhora. Mentira, não melhora nada. No dia seguinte a dor teima em queimar as minhas costas, nem consigo levantar para trabalhar. Ela não aumenta mas incomoda e muito. Sinto um ligeiro medo por uns instantes. Não fumo. O quê pode ser. Pode ser pneumonia. Gripe suína. Sei lá.

Chego ao médico sozinho. Depois de uma consulta relativamente rápida – o que me deixa mais preocupado – tiro uma chapa do pulmão. Volto ao consultório médico. E ele vê uma mancha no raio-X, no meu pulmão direito. Uma porra de uma mancha. Merda.

- Eu estou com pneumonia, doutor? – eu pergunto com medo da resposta.

- Não me parece.

Falei que estava com medo.

- Pelo jeito pode ser câncer.
- Câncer... você tá de sacanagem, né, doutor?
- Por que sacanagem?
- Você não tem uma técnica pra dizer pro paciente de que ele tá ferrado?
- Você não está ferrado. Esse “objeto” é um pouco estranho também para ser um câncer, mas por ser um câncer. Então, vamos fazer alguns exames.
Eu tô ferrado, cara. Eu vou morrer. A primeira coisa que faço depois que saio do consultório é ir para a casa de Cláudia e fazer amor. Mas não consigo a dor nas minhas costas é maior. Uma dor parece enraizada na minha coluna. Dói mais.

Durante uma semana, sinto esta dor, com toda a minha família no meu ouvido, quase implorando para que eu volte ao médico. Sou teimoso. A dor me deixa tonto. Logo volto ao hospital. Mais exames chatos, doloridos e eu não agüento.

A última coisa que lembro sobre um leito e tomando uma anestesia geral e o cirurgião me consolando, dizendo que eu vou me recuperar da cirurgia da retirada do câncer do meu pulmão direito. Queria não perder o meu pulmão. E se vejo uma luz, fujo ou vou para ela? Dizem que no limite entre a vida e a morte as pessoas, por alguns segundos, veem toda a sua vida passar por seus olhos como um filme. Eu odeio cinema, estou me cagando de medo e não consigo pensar em nenhum momento importante. Estou apag... and... o... ag... or... a...

(Oi, meu amor).
(Você está bem).

Minha santa... morri, é a voz da minha avó.

- Não é a voz da tua avó.
- Cláudia? Mãe? Pai?

Estão todos ali no meu quarto. Felizes por mim.

- Eu... eu perdi meu pulmão direito?
- Não. Você está inteiro.

Maravilha. A única coisa estranha é uma concentração de pessoas fora do meu quarto.

- O quê está acontecendo lá fora?
- São repórteres.
- Ué?

O médico sai de trás dos meus pais com uma fotografia e eu a vejo. Parece uma planta ou algo parecido envolto em sangue e com as folhas mortas.

- O quê é isso?
- Uma muda – responde o médico.
- Hã?
- Uma muda de um eucalipto.
- Hã?
- Você entendeu, vai.
- Essa muda... não era um câncer que eu tinha?
- Nós suspeitamos que seria um câncer mas durante a cirurgia havia uma planta no seu pulmão.

Esse eucalipto.

- Mas como é possível?
- Sei lá. Deve ter entrado uma semente pelo teu nariz quando criança. No teu pulmão onde tinha ar, água e... sangue. Mas o que mais me intriga é que não havia luz. Então, sei lá. O importante é que você está bem.

Pô, eu tinha uma vida comum e de repente minha vida estava nos telejornais, jornais, blogs, portais e e-mails. O país sabendo que eu criei uma planta no pulmão. Biólogos me examinando.

- Você tem vergonha disso?
- Claro, Cláudia! As pessoas me olham na rua quando passam e cochicham: olha lá, o homem planta, o Monstro do Pântano. Meu filho será o Filho do Monstro do Pântano! Ou o homem samambaia.
- Não exagera. Amanhã ninguém vai lembrar disso.

Cláudia estava certa. Depois de um tempo ninguém mais se preocupou comigo.

Numa noite, com a cabeça no travesseiro, pensei que poderia tirar algum proveito da minha súbita fama mas nenhuma idéia empreendedora me parece genial. Amanhã eu volta a trabalhar na quitanda. A minha vida inteira eu vou me perguntar porque isso aconteceu comigo.

E até no final deste conto, continuo o mesmo personagem sem nenhuma mudança por mais fantástico que me tenha acontecido e eu gosto disso isso.

(*) baseado em uma história real.

(Gilberto Caetano)

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