15.12.10

(Conto): A BRISA DA CAIXA DE SOM

para Lígia O. 


Nesta terra existem algumas coisas que são um pouco fora do comum. Fora daquilo que os evangélicos diriam que é “coisa de Deus”. Nós sabemos disso. E isso é bom. Mantém as diferenças. Algumas garotas às vezes sentem tesão por coisas exóticas e ANA LÚCIA CINTRA nunca contou, nem para a sua melhor amiga, que tem tesão por caixas de som. Antes que você pense que ela transa com caixas de som, eu te alivio, não é isso, mas ela as usa. 

Ela, com 19 anos, descobre totalmente sem querer numa festa entre amigos. Cansada de dançar, Ana senta em uma pequena caixa de som. A pequena vibração contínua lhe dá prazer uma espécie de vibrador sonoro. Contagiante. Uma caixa pequena que lhe proporciona um orgasmo público. Alguns garotos bêbados desconfiam, sem nunca tocar no assunto. 

As festas crescem, em proporção, as caixas de som também. Namorados entram e saem de sua vida, as caixas continuam. Sua grande felicidade é ir à Danceterias e estar lá, coladinhas nas enormes caixas, não se importando com os tímpanos enquanto seu grelinho parece um sino. 

Ainda que entusiasta do prazer-por-mim-mesmo Ana carece de um homem. 

Não conseguiria em outro lugar senão num show de rock underground fuleiro num inferninho qualquer da Rua Augusta. E logo o guitarrista solo da banda. 

Cacete. Sexo, vinho e clichês à vontade na rua, na chuva e na garagem do prédio dos pais dela. 

O fluxo da vida segue até que o namorado deixa seu amplificador e sua guitarra na casa de Ana por um fim de semana. Ela não acreditava, mas sua vida muda no instante em que pluga a guitarra, senta no amplificador e toca alguns acordes meio sem sentido mas fazem todo o sentido do mundo para sua vagina. A pequena rosada ressoa como nunca. O mais impressionante é que ela mesmo dá o tom do prazer. 

Claro que ela troca o namorado por uma guitarra, um amplificador e uma pedaleira. Faz um curso intensivo de guitarra & violão. 

Uma boa siririca sonora começa com Pedro Pedreiro, cresce para Lugar Nenhum, diminui para a balada Black , depois Jumpin' Jack Flash, Black Dog, Take Easy Baby e culmina ensurdecedoramente com Guerilla Radio. 

A cada nova música que Ana Lúcia aprende, é um orgasmo diferente. Uma siririca sônica.



(Gilberto Caetano)

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