8.4.12

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Um pequeno capítulo do livro BAR BODEGA – UM CRIME DE IMPRENSA de Carlos Dorneles (Editora Globo, 2007), páginas 173, 174 e 175:


Em março de 1997, os cinco novos acusados foram levados a julgamento e condenados a penas de 23 a 48 anos. Na Sentença, o juiz José Ernesto de Mattos Lourenço foi contundente com a polícia:

     De graça, as vítimas não confessaram. Requintes de perversidade incompatível com o exercício da atividade pública estão revelados de forma contundente e perturbadora nos primeiros cinco volumes deste processo.
     A técnica não apenas foi impressionante, como também repugnante, vergonhosa, covarde e revoltante. É preciso ser insensível, frio e cruel na mesma proporção para não se indignar diante da selvageria.
     Mudaram os tempos e as formas de comportamento, mas a mentalidade parece ainda arraigada aos tempos medievais.

Mas grande parte da sentença foi dedicada à imprensa:

     Seria a imprensa também a provocadora da ação desvairada que vitimou jovens inocentes que injustamente foram presos, sem qualquer interferência, é verdade, quanto aos sofrimentos experimentados?
     A resposta é sim.
     Arvorou-se uma parte da imprensa em defensora da sociedade e exerceu uma pressão insuportável e incompatível com o bom senso.
     De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites.
     Passaram a acusar, julgar e penalizar com execração pública.
     Os holofotes das câmeras funcionam como luzes da ribalta. A vaidade descontrolada provoca o esquecimento dos valores. A dignidade do ser humano passou a ter importância mínima ou nenhuma. A imagem das pessoas é a matéria-prima da diversão.

O final da sentença apontou para a elite:

     O crime que ceifou duas vidas prematuramente de jovens filhos da classe média num dos bairros mais finos da cidade provocou até mesmo o nascimento de um movimento que se intitulou “Reage São Paulo”.
     Essa face hipócrita da sociedade, sem embargo da necessidade de reação contra a inoperância do Estado diante da violência crescente e assustadora.
     Essa mesma sociedade, todavia, jamais reagiu  quando os filhos de famílias miseráveis, nos confins da periferia e social, foram e continuam sendo assassinados.
     São Paulo Reage diante da morte de filhos ilustres, mas não se emociona diante da morte dos filhos dos desprovidos de capacidade econômica, que não podem frequentar casas noturnas de Moema, mas frequentam os bares distantes.
     A conclusão é dolorosa: matar filho de rico em bairro de classe média alta ou abastada dá notícia, repercute, revolta a sociedade, que reage.
     O mesmo fato, quando atinge o marginalizado da economia, não desperta nenhuma reação.

A sentença do juiz está cuidadosamente guardada nos autos do processo, único lugar em que o seu conteúdo podia ser conhecido. As referências à imprensa jamais foram publicadas ou nem sequer citadas pelos veículos de comunicação. (Veja o texto no final do livro.)




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