18.8.12

(Conto): O GAROTO PARDO


           Rodrigo está nervoso. É a primeira vez que preenche uma ficha de trabalho. Sentado em uma cadeira tipo escola, um papel e caneta azul.

            Nome: Rodrigo Oliveira. Sexo: Masculino. Nascimento: 15/09/1995. Cor:?

            - Moça? Desculpa, moça? Moça?
            - Oi, fala.
            - Pra preencher aqui. Eu estou confuso.
            - Que item?
            - Na cor. Tem duas opções.
            - Sim. Deixa eu ver. É, tem duas opções. E dái?
            - Eu marco o quê?
            - Hã?
            - Aqui tem apenas branco e negro. Mas eu sou claro demais pra colocar negro e muito escuro pra ser branco.
            - Escolhe um.
            - Mentir na ficha. Como eu vou conseguir um emprego aqui mentindo na ficha?
            - Essa ficha é padrão. Vem lá da Alemanha.
            - Na Alemanha só tem branco e negro?
            - Não sei. Nunca fui pra Alemanha.

            A recepcionista chama pelo telefone interno da empresa um cara do Departamento de Recursos Humanos.

            - O que aconteceu aqui?
            - Esse garoto está preenchendo a ficha e não sabe que cor colocar.
            - Como assim, garoto?
            - Aqui só tem branco e negro.
            - Que cor está escrito na sua certidão de nascimento?
            - Pardo.
            - Pardo. Cor de envelope – diz rindo a recepcionista.

            O garoto fica sem graça.

            - E o que eu escrevo?
            - Essa ficha é padronizada nas empresas de todo o mundo. Vem da matriz na Alemanha.
            - Ela me disse isso.
            - Pra mim ele é moreno – diz a recepcionista.
            - Não tem moreno na ficha, moça.
            - Ele é quase branco – ela fala novamente.
            - Eu não sou quase branco.
            - Ele tem razão. Darcy Ribeiro... já leu algum livro dele, garoto?
            - Nem sei quem é.
            - Ele escreveu um livro, O Povo Brasileiro, diz que o mestiço é assimilado ao branco para que deixe de ser negro. Nós fazemos isso aqui. Você é negro. Pardo e negro.  
            - E se eu fosse japonês ou chinês? Aqui não tem isso também.
            - Sabe, garoto, você é o primeiro que questiona a ficha. É contra o estatuto da empresa aceitar pessoas questionadoras e sinceras, mas eu gostei de você.
            - O emprego é meu?
            - Yep.
            - E o que eu vou fazer?
            - Trocar as garrafas de água de todos os andares.
           
            E o garoto saiu contente com o seu 1º. Emprego.  


(Gilberto Caetano)

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