18.8.09

(Conto): GENGIVITE


MAURÍCIO GULART está com a boca fodida, bem fodida. Literalmente. Uma infecção generalizada por toda a gengiva que teima em não sarar, vermelha e inchada e que sangra. Sangra quando come até uma banana. Um bafo de sangue nauseante sai de sua boca sempre ao respirar já afasta os colegas de trabalho. Uma vergonha tamanha, que Maurício teme em esquecer as palavras. Namorada, esposa ou uma prostituta, esquece. Maurício está solitário. Decide no auge de uma bebedeira parar de sangrar. Parar de ter uma menstruação todos os dias saindo da boca.
Ele vai ao consultório dentário, uma, duas, três vezes, mas, a cada vez que o dentista olha para dentro de sua boca fétida, briga e quase o espanca por Maurício ser...
- Como você pode ser tão relaxado, cara!
- Doutor...?
- Doutor, o cacete! Doutor, o cacete! Me escuta, seboso. Lava isso com água oxigenada, número 10, passa o bendito do fio-dental toda vez depois que comer e só volta aqui quando essa porra parar de sangrar. Olha só, nojento! Eu estou quase perdendo o meu olfato por sua causa! Esse teu cheio impregna aqui de tal forma que eu tenho que te atender por último. Ó! Ó! Só de encostar o dedo nessa sua gengiva nojenta espirrou sangue no meu óculos!
- Doutor... eu tô pagando.
- Eu devolvo o dinheiro. Faço de graça pra você não aparecer mais aqui. Agora, tchau.
Maurício sai do consultório derrotado. Uma parada na farmácia. Quando chega em casa a primeira coisa que faz é escovar os dentes, passar o fio. Seu sangue escorre de sua boca pelas mãos através no braço e pinga pelo cotovelo. Sangue bem mais vermelho que de costume. Desce quente pelo ralo até cair na boca de um VERME que mora no cano da pia, alojado lá por dois meses. Sua alimentação nutritiva com base em sangue e água. Ele alimenta-se de cada gota de sangue de Maurício, nada escapa de sua boca e tem nessas suas refeições o seu orgasmo, é o que o faz engordar cada vez mais. Maurício sangra com a escova de dentes, depois mais com o fio-dental, e quando usa a água oxigenada, sua boca espuma como o Rio Tietê. O Verme cresce e agradece. Maurício totalmente insano pensando na cura, sangra na pia mais de seis vezes ao dia em casa. E o Verme Durante está cada vez maior, ferrando com o encanamento. Quebrando tudo.
Maurício trabalha como metalúrgico explorado e sabe disso e até gosta. Ele desce do ônibus que o deixa à três quarteirões de sua casa. Mesmo longe se escuta gritos. Algumas pessoas correm desesperada. Algo totalmente incomum para este pacato bairro. Maurício acha estranho, mas logo passa, continua andando. Em sua rua ele encontra uma mãe desesperada.
- Meu Deus! Alguém... minha filha!! Aquilo levou minha filha!
Ele vê o rastro de sangue e destruição pelo asfalto. Algumas casas destruídas. Gritos ao longe vindos da próxima rua. Tiros. Sirenes. Helicóptero em vôo rasante. E um grito totalmente animalesco de dor.
Os rastros de sangue pelo chão, vem de sua casa que está com o muro destruído. Maurício entra. O rastro de sangue vem de sua porta derrubada. Dentro da casa, o banheiro e a pia estão em milhares de pedaços. O rastro, que fora da casa era de sangue, dentro, é apenas algo viscoso como o de uma lesma. Apenas o espelho pendurado na parede continua intacto.
Maurício abre a boca para ver sua imagem refletida. Cutuca a gengiva com a unha. Claro que ainda sangra.
- Merda... eu nunca vou me livrar dessa porra de infecção.
Pessoas morrendo lá fora e que se foda o mundo. Ele pensa.

(Gilberto Caetano)

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