29.9.09

* * *



Sussurram no meu ouvido:
“Toda informação é filtrada, manipulada, imprecisa”.

Não dormi por três dias... e voltei a assistir o Jornal Nacional.

22.9.09

(Conto): AQUILO QUE NÃO SOMOS


WILLIAM NETO escreve a seguinte carta num papel de caderno solto e com uma caneta azul:
Não somos brancos nem orientais
Não somos um barco à vela a seguir
Nem carteiros para levar mensagens
Não somos ricos
Nem miseráveis
Não somos nem o bem nem o mal
Não somos negros
A beleza não está em nós
Nem a alegria
Somos a maioria da minoria
Não falamos e nem escrevemos corretamente
Não somos visíveis
Às vezes totalmente descartáveis
Às vezes totalmente inúteis
Não temos o amor
Ele raramente nos visita
Não temos a sabedoria de dar atenção a quem está do nosso lado
Somos solitários
Às vezes autodestrutivos
Drogados de drogas legais
Estas palavras são para dizer o que não somos
Ainda assim somos incompetentes e fugimos do título
Eles não acreditam que podemos fazer
Dizer que existem milhares como nós
Sem voz
Sem atitudes que realmente contam
Sem aquilo que sonhamos
Não somos doentes terminais
Mas temos uma doença sem cura
Às vezes somos piegas
Não fazemos sexo com quem gostamos
Apenas com prostitutas e garotos de programa
Não temos sorte
Não ganhamos nenhum jogo
E eles riem de nós
Falam pelas costas de nós
Temos vontade de terminar com tudo
Por meio de qualquer maneira indolor
Mas não somos corajosos
Não somos vítimas
Não somos testemunhas
Não somos aqueles que têm certeza
Não pertencemos a nenhum filme
Não somos os heróis
Nem mesmo os coadjuvantes
Somos talvez os figurantes no fim da rua, lá longe, que ninguém percebe
Ninguém nos apoia
Ninguém nos ouve
Não somos indivíduos diferentes
Não criamos nada
Somos artistas em reinventar
Não somos aqueles que especulam
Não somos aqueles que escrevem as letras para as músicas bacanas
Não falamos outras línguas
Não conhecemos outros países
Não somos calmos
Não temos um raciocínio linear
Já não sabemos de nada
Há dez anos, tudo poderia dar certo
Daqui a dez anos o que está dentro de nós será o mesmo e o que nos rodeia será pior
E por fim, não somos originais.
A esperança se foi pelo ralo no meu banho pela manhã
E é tarde demais para tudo...
Ps.: A resposta não está na cabeça daqueles que se julgam saber de tudo
Está naqueles que se identificam com uma só linha.
William Neto suicida-se deixando a carta sobre seu corpo, mas ao fim, uma leve brisa leva o papel até uma poça de água, a tinta da caneta se espalha e ninguém saberá quem foi William Neto. Absolutamente nada.


(Gilberto Caetano)

15.9.09

MORDAZ - Ed. 02




NESTA EDIÇÃO:

CAPA:
BRASÍLIA: OS POLÍTICOS SÃO UM REFLEXO DA SOCIEDADE OU A SOCIEDADE É UM REFLEXO DOS POLÍTICOS?
CONHEÇA AS RESPOSTAS DOS CIENTISTAS.

Outros Destaques:
* Como o sistema patriarcal judaico-cristão FERROU com as Mulheres.
* Quem terá coragem de produzir um Filme sobre a Elite do Brasil?
* Sacha Baron Cohen – O cara que expõe os preconceitos.


(Todas as imagens foram retiradas do Tio Google).

8.9.09

(Conto): PULMÃO (*)

Nunca fui de fazer exercícios. Até que batia uma bola uma vez por mês junto com amigos, mas a cerveja depois dos jogos era o que me fascinava. Minha alimentação também não é de toda ruim. Como razoavelmente pouco, menos nos Domingos. Ah, os Domingos. Minha mãe cozinha maravilhosamente bem, sempre com seus temperos surpreendentes que tornam um simples franco frito em algo encantador e a gordura passa despercebida pela língua e cai no estômago suave e querendo mais.

Neste Domingo despretensioso, logo hoje quando vou ver o meu Santos ganhar, sinto uma dor nas costas. Algo que nunca tive antes. Tenho um leve receio. A dor aumenta.

- Você está bem? – pergunta Claudia, minha namorada.

- A dor vem e vai.

Deixo a família preocupada e o meu querido Santos só empata, dia ruim, mas preciso apenas descansar um pouco que melhora. Mentira, não melhora nada. No dia seguinte a dor teima em queimar as minhas costas, nem consigo levantar para trabalhar. Ela não aumenta mas incomoda e muito. Sinto um ligeiro medo por uns instantes. Não fumo. O quê pode ser. Pode ser pneumonia. Gripe suína. Sei lá.

Chego ao médico sozinho. Depois de uma consulta relativamente rápida – o que me deixa mais preocupado – tiro uma chapa do pulmão. Volto ao consultório médico. E ele vê uma mancha no raio-X, no meu pulmão direito. Uma porra de uma mancha. Merda.

- Eu estou com pneumonia, doutor? – eu pergunto com medo da resposta.

- Não me parece.

Falei que estava com medo.

- Pelo jeito pode ser câncer.
- Câncer... você tá de sacanagem, né, doutor?
- Por que sacanagem?
- Você não tem uma técnica pra dizer pro paciente de que ele tá ferrado?
- Você não está ferrado. Esse “objeto” é um pouco estranho também para ser um câncer, mas por ser um câncer. Então, vamos fazer alguns exames.
Eu tô ferrado, cara. Eu vou morrer. A primeira coisa que faço depois que saio do consultório é ir para a casa de Cláudia e fazer amor. Mas não consigo a dor nas minhas costas é maior. Uma dor parece enraizada na minha coluna. Dói mais.

Durante uma semana, sinto esta dor, com toda a minha família no meu ouvido, quase implorando para que eu volte ao médico. Sou teimoso. A dor me deixa tonto. Logo volto ao hospital. Mais exames chatos, doloridos e eu não agüento.

A última coisa que lembro sobre um leito e tomando uma anestesia geral e o cirurgião me consolando, dizendo que eu vou me recuperar da cirurgia da retirada do câncer do meu pulmão direito. Queria não perder o meu pulmão. E se vejo uma luz, fujo ou vou para ela? Dizem que no limite entre a vida e a morte as pessoas, por alguns segundos, veem toda a sua vida passar por seus olhos como um filme. Eu odeio cinema, estou me cagando de medo e não consigo pensar em nenhum momento importante. Estou apag... and... o... ag... or... a...

(Oi, meu amor).
(Você está bem).

Minha santa... morri, é a voz da minha avó.

- Não é a voz da tua avó.
- Cláudia? Mãe? Pai?

Estão todos ali no meu quarto. Felizes por mim.

- Eu... eu perdi meu pulmão direito?
- Não. Você está inteiro.

Maravilha. A única coisa estranha é uma concentração de pessoas fora do meu quarto.

- O quê está acontecendo lá fora?
- São repórteres.
- Ué?

O médico sai de trás dos meus pais com uma fotografia e eu a vejo. Parece uma planta ou algo parecido envolto em sangue e com as folhas mortas.

- O quê é isso?
- Uma muda – responde o médico.
- Hã?
- Uma muda de um eucalipto.
- Hã?
- Você entendeu, vai.
- Essa muda... não era um câncer que eu tinha?
- Nós suspeitamos que seria um câncer mas durante a cirurgia havia uma planta no seu pulmão.

Esse eucalipto.

- Mas como é possível?
- Sei lá. Deve ter entrado uma semente pelo teu nariz quando criança. No teu pulmão onde tinha ar, água e... sangue. Mas o que mais me intriga é que não havia luz. Então, sei lá. O importante é que você está bem.

Pô, eu tinha uma vida comum e de repente minha vida estava nos telejornais, jornais, blogs, portais e e-mails. O país sabendo que eu criei uma planta no pulmão. Biólogos me examinando.

- Você tem vergonha disso?
- Claro, Cláudia! As pessoas me olham na rua quando passam e cochicham: olha lá, o homem planta, o Monstro do Pântano. Meu filho será o Filho do Monstro do Pântano! Ou o homem samambaia.
- Não exagera. Amanhã ninguém vai lembrar disso.

Cláudia estava certa. Depois de um tempo ninguém mais se preocupou comigo.

Numa noite, com a cabeça no travesseiro, pensei que poderia tirar algum proveito da minha súbita fama mas nenhuma idéia empreendedora me parece genial. Amanhã eu volta a trabalhar na quitanda. A minha vida inteira eu vou me perguntar porque isso aconteceu comigo.

E até no final deste conto, continuo o mesmo personagem sem nenhuma mudança por mais fantástico que me tenha acontecido e eu gosto disso isso.

(*) baseado em uma história real.

(Gilberto Caetano)

Veja também:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...