5.1.11

(Conto): A TETA DOS MILAGRES

SOFIA TUCCI tem belos seios, isso é fato. Sempre foi admirada por isso. Infelizmente não tanto pela inteligência como ela gostaria mas tem belos seios e com muito leite para seu filho, um adorável bebê. Todos o amam. Mas como felicidade só é legal no fim, seu filho tem uma doença degenerativa no pulmão esquerdo. Sofia o leva a muitos hospitais da região, até o da capital, chique e ineficiente para ajudá-la. E quando tudo está perdido se apela para Deus e dentro de uma igreja Sofia recebe a benção nos seios porque o menino irá tomar uma das últimas refeições. Toda a Igreja chora, emocionada, pedindo piedade. A cidade quase toda é muito católica.

Sofia caminha da igreja para casa sem querer pensar em nada, mente vazia. Lá, ao entrar no quarto do bebê, uma luz tenra e suave entra pela janela direto para o centro do cômodo. Sofia tira seu rebento do berço, caminha para o raio de luz e o amamenta, ele suga o leite como nunca antes, com força, força que nunca possuiu. Sofia sente o bico do peito dolorido, novidade, corre para o hospital. Depois de uma semana de exames e a amamentação sem fim, o bebê tem uma fome quase insaciável, a doença degenerativa no pulmão esquerdo não existe mais.

- Milagre! – grita o médico.
- Como assim milagre? Meu filho não tem mais nada?
- Teu leite abençoado, Sra. Sofia! Teu leite abençoado!

A notícia espalhou rapidamente pelos corredores do hospital, logo chegou nas ruas, nas casas, na escola, na Igreja.

- Deus te agraciou minha filha. Domingo rezarei uma missa em tua homenagem e a teu filho – diz o Padre.

A Igreja está lotada. Quase que toda a cidade está ali. Contagiante como as pessoas cantam em louvor ao filho de Sofia, quase como que ao filho de Deus. Sofia chora o tempo todo. É um dia agitando, todos querem cumprimentá-la. Já em casa, enquanto assiste a novela, a campainha toca. Um pequeno grupo de senhoras a chama.

- Sim.
- Sra. Sofia. Imploro a ti que ajude minha irmã. Ela tem a pressão muito alta. Ainda vai ter um derrame, que Cristo queira que não, mas a senhora... a senhora...
- A senhora quer que eu dê meu... leite?
- É.

Sofia sente pena das senhoras, entra, volta com seu leite fresco no copo. A senhora toma de uma vez. Tensão. Esperam. Esperam mais um pouco. Medem a pressão, ainda está alta. Nada funcionou.

- Com teu filho foi imediato?
- Mais ou menos?
- Tenho que beber no bico.
- É, isso mesmo! – grita uma senhora mais entusiasmada.
- Não... mas... - Sofia fala assustada.
- Você quer ajudar minha irmã ou não Sra. Sofia?

Sofia coloca seu belo e farto seio para fora da camiseta. A senhora mama, mama bem. Medem sua pressão. 12 por 09.

- Milagre!
- Você agora é a nossa Santa Sofia!
- Meu Deus... Eu não sou santa... não sou sant...

Pela manhã há uma fila de doentes de todos os tipos. Diabetes, enxaquecas, pedra na vesícula, úlcera. Sofia fica escondida em sua casa, com medo, abraçada ao filho. A notícia se espalha rápido pela região e chega aos ouvidos do Padre. Ele corre para a casa dela, passa pelas centenas de pessoas implorando o leite sagrado. Entra.

- Sofia.
- Padre, por favor, me ajude. Eu não sei o que fazer. Não é pecado acharem que eu sou uma santa? Eu não sou santa!
- Filha. Se isso é a vontade de Deus, então, Sua vontade deve ser respeitada.
- Essas pessoas devem beber o meu leite direto do meu seio e eu não quero a cidade inteira me chupando.
- A notícia se espalhou muito rápido, Sofia, tem gente enferma de toda a região e se o Senhor lhe deu esta benção você vai ajudar o povo. É seu dever!
- Padre. Não. Por favor.

Ele não lhe dá ouvidos. Coloca quatro beatas para ajudá-la na recepção, na limpeza e no cuidado com o bebê da nova santa. Um a um são atendidos 42 pessoas por dia e todos eles curados. As centenas de pessoas nas filas se tornam milhares. Pessoas de outros estados. Jornalistas do país inteiro desconfiando dos milagres e depois chocados com a verdade.

O catolicismo vê a fé renovada e novos adeptos pelo país.

O Padre, certeiro em suas escolhas, coloca barraquinhas para venderem suvenir e outras bugigangas católicas, quadros de Sofia e seu filho devidamente alterados no Photoshop para parecer uma autêntica santa. Santa Sofia. Não só cura realmente os doentes mas também multiplica o dinheiro na cidade, nos restaurantes e hotéis, alguns deles pertencentes a Igreja Católica. Aí sim, o Padre agora está feliz.

Sofia em seu momento de pausa, com seus bicos dos seios ardendo como se estivessem queimados, chora. Quer desistir mas como fazer isso já que a Igreja salvou seu filho e agora lhe explora? Ela não quer ser como Cristo e morrer pelos outros. A Igreja Católica a força a dar de mamar para a comunidade e ganha muito dinheiro com isso. Sofia não sabe como fugir. Ela abraça seu filho e volta para a santa labuta.

Um mês depois, Sofia perdeu 8 quilos e está pálida. As beatas a contragosto deixam ela descansar 8 horas por dia. Ela dorme como uma pedra neste tempo. Se alimentando apenas do que faz bem para o leite e emagrecendo cada vez mais. 

O Padre feliz da vida conversando com o contador de sua paróquia, decide pegar o dinheiro que tem – aquele que não enviou ao Vaticano – e mais um grande empréstimo no banco para comprar mais hotéis, mais restaurantes e mais lojas. Tudo em nome da Igreja. A cidade agora é dele.

Ele assina os papéis de compra no cartório e na saída sente um cansaço repentino, uma falta de ar, ela continua por todo o dia. Por toda a semana. Ele sente-se cada vez mais cansado. O Padre vai ao hospital e o diagnóstico sai uma semana depois, ele tem uma doença degenerativa no pulmão esquerdo. Sua morte é eminente e certa.

- Santa Sofia, só a senhora pode me ajudar.

O Padre passa por todos na quilométrica fila, entra na casa e surpreende-se quando a vê. Sofia atendeu o dia inteiro, sua palidez e magreza assustam. Não é mais a bela mulher de antes.

- Acho que é a minha vez de ser ajudado agora.
- Eu estou exausta, Padre.
- Um a menos ou um a mais não faz diferença. A cidade precisa de mim agora tanto quanto precisa de você, Sofia. Santa Sofia. Eu estou doente e preciso do teu leite.
- Eu não quero morrer assim. Por favor me tire daqui.

O padre ajoelha em frente a nova santa.

- Eu é que não posso morrer, Sofia. Não agora. Se isso acontecer a Igreja cairá. Você quer que a nossa Igreja caia, mulher? Nós temos você como nossa Santa particular. Não me desaponte . Eu que abençoei tuas tetas agora eu preciso delas.
- Até... até a minha... minha morte?
- Se essa for a vontade do Senhor.
- Não é possível que Deus não fale desse jeito, é o senhor que quer que eu morra.

Sofia coloca seu seio esquerdo para fora, não é mais bonito como antes, limpa o bico muito dolorido e espera a boca do Padre. Ele com nojo limpa mais uma fez e chupa. Afasta assustado.

- Nada – ele diz.

Ele tira o outro seio para fora do vestido e sem limpa-lo mama.

- Não. Não. Não.

O Padre aperta as duas tetas de Sofia e nenhum pingo de leite cai.
Sofia sente muita dor pelo aperto do Padre mas um grande alívio que terá sua vida de volta.

- O leite secou – grita uma das beatas correndo para fora para espalhar a nova notícia.

O Padre desolado levanta, cansado, no fim da vida, pensando em quanto está fodido com o banco e com o Vaticano, fala:

- Eu te excomungo, sua vadia.

E ele sai atordoado e cansado.

A decepção das milhares de pessoas egoístas que queriam sua salvação que não vem mais. Os romeiros ganharam dinheiro, os donos das barraquinhas ganharam dinheiro, os hotéis e restaurantes também, a Igreja Católica ganhou e perdeu muito dinheiro. Foi bom enquanto durou.

Depois de um tempo, quando já tem forças o suficiente, Sofia coloca tudo que pode dentro de sua mala e com seu filho no colo, sadio e vivo como nunca, vai para a rodoviária pegar um ônibus só de ida para o interior de outro estado ao sul do país. Ela é seguida por alguns que ainda acham que ela é uma santa e por outros que dizem que foi ela quem afundou a cidade em dívidas. Ela entra no ônibus, da porta, olha para trás e diz para quem quiser ouvir o mais alto possível:

- Vocês disseram que Deus me agraciou mas foram vocês que me prostituíram!

Sofia Tucci entra no ônibus que parte para que ela seja feliz longe dali.  



(Gilberto Caetano)

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