Rodrigo
está nervoso. É a primeira vez que preenche uma ficha de trabalho. Sentado em
uma cadeira tipo escola, um papel e caneta azul.
Nome:
Rodrigo Oliveira. Sexo: Masculino. Nascimento: 15/09/1995. Cor:?
-
Moça? Desculpa, moça? Moça?
-
Oi, fala.
-
Pra preencher aqui. Eu estou confuso.
-
Que item?
-
Na cor. Tem duas opções.
-
Sim. Deixa eu ver. É, tem duas opções. E dái?
-
Eu marco o quê?
-
Hã?
-
Aqui tem apenas branco e negro. Mas eu sou claro demais pra colocar negro e
muito escuro pra ser branco.
-
Escolhe um.
-
Mentir na ficha. Como eu vou conseguir um emprego aqui mentindo na ficha?
-
Essa ficha é padrão. Vem lá da Alemanha.
-
Na Alemanha só tem branco e negro?
-
Não sei. Nunca fui pra Alemanha.
A
recepcionista chama pelo telefone interno da empresa um cara do Departamento de
Recursos Humanos.
-
O que aconteceu aqui?
-
Esse garoto está preenchendo a ficha e não sabe que cor colocar.
-
Como assim, garoto?
-
Aqui só tem branco e negro.
-
Que cor está escrito na sua certidão de nascimento?
-
Pardo.
-
Pardo. Cor de envelope – diz rindo a recepcionista.
O
garoto fica sem graça.
-
E o que eu escrevo?
-
Essa ficha é padronizada nas empresas de todo o mundo. Vem da matriz na
Alemanha.
-
Ela me disse isso.
-
Pra mim ele é moreno – diz a recepcionista.
-
Não tem moreno na ficha, moça.
-
Ele é quase branco – ela fala novamente.
-
Eu não sou quase branco.
-
Ele tem razão. Darcy Ribeiro... já leu algum livro dele, garoto?
-
Nem sei quem é.
-
Ele escreveu um livro, O Povo Brasileiro,
diz que o mestiço é assimilado ao branco para que deixe de ser negro. Nós
fazemos isso aqui. Você é negro. Pardo e negro.
-
E se eu fosse japonês ou chinês? Aqui não tem isso também.
-
Sabe, garoto, você é o primeiro que questiona a ficha. É contra o estatuto da
empresa aceitar pessoas questionadoras e sinceras, mas eu gostei de você.
-
O emprego é meu?
-
Yep.
-
E o que eu vou fazer?
-
Trocar as garrafas de água de todos os andares.
E
o garoto saiu contente com o seu 1º. Emprego.
(Gilberto Caetano)
...