24.11.10

(Conto): 30

Que porra de clichê é este? Não era para ser uma crise, pô? No meio, ou quase, de sua vida e sem ter uma grande angustia, uma única fagulha de desespero por não ter realizado o que mais sonhou. Você não tem nada. Nada mesmo. BENJAMIM ANTUNES pode ter sorte. Não realizou metade do que planejou quando tinha 17 anos, talvez 15%. E ele sempre pensa: que foda-se. Não se importa. Ele acha que pode ter algum tipo de problema psicológico? Ou a crise dos quarenta é a que realmente pega?

Um anúncio nos classificados lhe chama a atenção enquanto procura uma casa de massagem qualquer:

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/ Precisa-se de Cobaia para /
/ Teste de Silêncio /
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Parece interessante.

- Aqui é um centro de pesquisa do som e isto é uma Câmara de Silêncio Absoluto.
- E o que essa câmara faz?
- Não faz nada. Silêncio absoluto. Hermeticamente selada para que nenhum tipo de som ultrapasse estas paredes.
- Pra quê?
- Para a indústria. Lugares que precise de uma concentração absoluta.
- Quanto tempo eu vou ficar lá dentro?
- Quatro horas.
- Quanto eu recebo?
- Noventa reais.
- Na saída da tal câmara?
- Na saída.
- Tá certo. Eu vou.

A preparação é simples. Benjamim nu dentro de uma sala branca, totalmente vedada, onde a porta de entrada é pequena e apenas uma câmera de vídeo para registrar todo o processo. As paredes, assim como o chão, são acolchoadas dando uma sensação de conforto. Três vezes uma pequena luz vermelha pisca e assim começa a experiência.

Acontece uma despressurização que deixa os ouvidos de Benjamim tampados, uma primeira reação que depois de alguns minutos passa. Realmente é uma câmara de silêncio absoluto. Nem um pequeno ruído dos computadores do lado de fora monitorando tudo que acontece se escuta mais. Nenhum inseto ou ar-condicionado. Nada. Muito estranho, apenas na morte pode-se pensar em algo assim. Benjamim fica fascinado pelas possibilidades de que uma câmara pode proporcionar. Seria preciso como nos dias em que ele precisa estudar e o vizinho escutando hinos evangélicos no último volume ou os garotos da rua fazendo barulho empinando suas motos. Seria relaxante uma dessas no quarto.

Apenas vinte minutos depois ele percebe que está escutando algo, uma pequenina batida. Ele procura nos cantos das paredes sem notar de que é o som de seu próprio coração. Ele põe a mão no peito e o sente mais forte. A batida é alta. Mais alguns minutos e ele também escuta o sangue correndo em suas veias pelo pescoço. Ele fica fascinado por escutar o ácido corroendo em seu estômago e o seu intestino trabalhando.

A cada momento que ele se esforça mais para escutar algo novo, seu coração está mais alto. Irritando-o. Benjamim bate forte no peito uma vez. Bate duas, bate três. Querendo que seu órgão vital abaixe o volume. O coração desobedece parecendo estar dentro do ouvido. Alto, alto. Desesperador para Benjamim.

Ele grita.

O voz reverbera nas paredes e volta com uma intensidade que faz seus ouvidos doerem. Sangrarem. Ele se encolhe no chão mas é impossível estar ali. Em menos de uma hora a loucura é eminente, a ponto dele tentar arrancar o próprio coração com as mãos e realmente tenta. A pequena porta é aberta e depois médicos entram antes que Benjamim se mate. Ele sai sentado em uma cadeira de rodas uma hora e quarenta minutos depois de entrar na sala de silêncio absoluto.

Benjamim que achava não tinha nenhum tipo de crise em sua vida, desde hoje, deste teste, ele terá um conflito permanente com seu próprio corpo.   




(Gilberto Caetano)

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