28.6.11

(Conto): O LIXEIRO QUE QUERIA CRIAR GALINHAS

           Ele está ficando velho e cansado. Está sobre a cama que deixaram de trocar os lençóis. Rezando para que o Sol não nasça e a garrafa não termine. Whisky vagabundo. É o que tem. Tomara  também que a garota não cobre tão caro quando na sexta passada. Elas são as melhores atrizes do mundo, por algum dinheiro, te faz acreditar em qualquer coisa, que esses homens cansados e ávidos por uma boa trepada são bons. Não é enganar é apenas vender um serviço.

            - O que você faz? - ela pergunta enquanto acende um cigarro.
            - Nada.
            - Você é rico, é?
            - Sou.
            - Bom, você não tem cara de rico.
            - Estou disfarçado.

            Ele se veste em frente a janela, uma luz amarela vem da rua. A prostituta observa a silhueta do homem.

            - Quanto foi? - ele pergunta.
            - Cinquenta.
            - O mesmo que sexta passada.
            - Ainda te deixo pagar depois da trepada, do que está reclamando?
            - É contra as regras? Não sabia.

            Ele sai levando a garrafa de whisky. Senta num ponto de ônibus. Três horas da manhã quando nenhum ônibus roda pelas ruas. Poucos carros. Apenas ele sentado no banco de ferro frio. WILSON SOLARES ainda tem que trabalhar daqui a algumas horas. Catando sacos plásticos cheios de papel higiênico que as pessoas limpam seus rabos, restos de comida, de cigarro, de caixa de pizza. O dia inteiro correndo atrás de um caminhão pelas ruas da Zona Sul da cidade. Com o cheiro azedo entrando pelas narinas enquanto o suor corre por seu corpo. 

            Wilson mora na Zona Norte da cidade. Longe. Ninguém sabe no que ele trabalha, já pensaram que era traficante, camelô ou peão de fábrica. Ele mora em um cortiço, aquilo em que  mais odeia, um lugar apertado e úmido, oito famílias se apertam num espaço onde deveria existir apenas uma casa grande e confortável. Mas é aquele velho clichê do que dá para pagar. O lugar mais barato em que Wilson poderia morar, um cômodo e um banheiro. Sozinho. O que economiza consegue deixar numa conta poupança no banco e o resto sobrevive com aluguel, bebidas e prostitutas.

            Há alguns dias em que surge a pergunta básica: para quê tudo isso? Ele sempre olha para um caderninho que possui, ali estão todos os seus planos para vender suas galinhas, com fases de implantação do negócio, passo a passo de tudo aquilo que ele acha que precisa. É naquele português escrito como se fala, num caderninho que está sua justificativa por mais um dia. Quem sabe o que tem para amanhã? Mais contas, bebidas e sexo com certeza. Wilson quer algo mais.

            Precisa alugar uma casa com quintal para iniciar seu pequeno empreendimento. Ele sonha com  outro lugar.

            - Se minhas ilusões fossem constantes? - diz Wilson. 
            - E se não fossem? - murmura a moça desajeitada.
            - E se eu as contasse?
            - Já teria perdido a conta. Eu perdi a conta das minhas. 
            - E se eu não as tivesse? - ele gagueja.
            - Seria melhor pra você? - ela pergunta olhando sério para ele, a vizinha fumando sentada na escada de frente a porta da casa de Wilson, ele saindo depois de um banho e de um dia cansativo de trabalho.
            - Não sei – ele responde -  Será que as coisas iriam melhorar?
            - Esquece isso. Hoje – a vizinha continua – acordei cedo, madrugada, não consegui mais dormir, tinha uma tristeza dentro do meu peito, parecia que iria explodir. Às vezes tenho vontade de dormir e não acordar mais... mas aí, tem meus filhos, eu queria ter dinheiro pra comprar uma casa pra minha mãe. Não tenho motivação nenhuma. Quando eu chego neste cortiço, esses corredores apertados, parecem que me espremem. E aí? A gente precisa continuar, né? Só sei que um dia as paredes podem fechar de uma vez e ficar soterrada nessa merda de cimento úmido e mofado. 
            - Sem saber porque e com medo. 
            - Fazer o quê, né? Todo mundo quer alguma coisa, Wilson.

            O homem cansado que estava saindo quando viu a vizinha fumando e parou um instante pra trocar algumas palavras, volta e abre a porta de sua casa.

            - Ué, você não ia encontrar uma moça? Hoje é sexta.
            - Ia. Mas eu quero dormir agora.
            - Boa noite, então – diz a vizinha dando a última tragada no cigarro paraguaio.
            - Boa noite.

             Wilson vai dormir pensando em encontrar uma casa com um bom quintal com chão de terra batida. Tomara que com um aluguel baratinho.  




(Gilberto Caetano)


...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Veja também:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...